A alienação de bens por pessoas singulares pode implicar o pagamento de IRS, designadamente no caso de bens imóveis. Neste caso específico, a tributação ocorre no âmbito da Categoria G do IRS (mais-valias), tendo como norma de incidência o artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS.
Mas o que acontece quando não se vende diretamente um imóvel, mas sim um quinhão hereditário – isto é, a parte de uma herança ainda não partilhada?
O que é um quinhão hereditário?
Com a morte de uma pessoa, o seu património é transmitido aos respetivos herdeiros. Enquanto não se realizar a partilha, esse património mantém-se indiviso, sendo que cada herdeiro detém apenas uma quota ideal da herança — o chamado quinhão hereditário.
Esta posição jurídica não confere ao herdeiro a propriedade ou compropriedade de bens concretos, mas sim um direito abstrato sobre a totalidade da herança. Só após a partilha poderá o herdeiro tornar-se proprietário ou comproprietário de bens determinados que integrem o acervo hereditário.
A posição da Autoridade Tributária
A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) entende que a venda de um quinhão hereditário que inclua bens imóveis deve ser tributada como se se tratasse da alienação de direitos reais sobre bens imóveis, configurando, assim, uma mais-valia imobiliária, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS.
Esta posição foi expressamente assumida numa informação vinculativa, constante de despacho de 12 de maio de 2025, do Chefe de Divisão da DSIRS, por subdelegação, e disponível para consulta pública.
Para a AT, o herdeiro, ao aceitar a herança, passa a deter uma posição jurídica próxima da compropriedade dos bens imóveis. Assim, ao alienar o quinhão, estaria também a transmitir, ainda que indiretamente, a sua quota ideal sobre os imóveis, o que justificaria a incidência de IRS.
Na referida informação vinculativa pode ler-se:
“(…) verificando-se que a contribuinte irá proceder à transmissão onerosa da sua quota-parte do património imobiliário que compõe a herança indivisa, encontram-se os ganhos decorrentes de tal operação sujeitos a tributação, nos termos do artigo 10.º do Código do IRS.”
A jurisprudência anterior ao Acórdão Uniformizador
Esta posição da AT não era, no entanto, pacífica na jurisprudência. Diversos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (por exemplo, nos processos n.º 01863/13, 0975/09 e 0450/14) consideravam que o quinhão hereditário não constitui um direito de propriedade sobre os bens que integram a herança, mas apenas uma quota do direito à herança.
Assim, apenas com a partilha os herdeiros passariam a ser proprietários dos bens concretos, não se podendo, antes disso, falar em alienação de direitos reais sobre imóveis.
O entendimento dos tribunais: Acórdão Uniformizador do STA
Perante decisões judiciais contraditórias, o Supremo Tribunal Administrativo (STA) emitiu, em 29 de abril de 2025, um Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, que foi publicado no Diário da República, n.º 107/2025, Série I, de 4 de junho de 2025, e que é vinculativo para os tribunais administrativos.
Neste acórdão, o STA concluiu que a venda de um quinhão hereditário não corresponde à alienação de bens imóveis, ainda que a herança seja exclusivamente composta por imóveis. A transmissão da quota hereditária representa apenas a cessão da posição global do herdeiro na herança indivisa, e não a alienação de direitos reais sobre bens determinados.
Conclusão: há ou não imposto?
De acordo com a interpretação uniformizada pelo Supremo Tribunal Administrativo, não deve haver lugar à tributação em sede de IRS pelos rendimentos obtidos com a alienação de quinhão hereditário, enquanto a herança se mantiver indivisa.
Esta orientação sufragada neste Acórdão Uniformizador contraria o entendimento da AT e tem relevância prática significativa para os contribuintes que pretendam transmitir a sua posição numa herança antes da partilha.
Consequências para a AT: dever de revisão de orientação genérica
Nos termos do artigo 68.º-A da Lei Geral Tributária, a Autoridade Tributária deve rever as suas orientações genéricas sempre que exista um acórdão de uniformização de jurisprudência proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, como sucede neste caso.